Psicoterapia e o encontro Terapêutico

Pensei muito no que escrever primeiro aqui, e não faltavam temas e coisas para conversar, mas acho que seria muito bom começar falando justamente sobre a psicoterapia. Esse primeiro post será um pouco mais extenso do que os que pretendo fazer, pois estarei falando afinal, do meu trabalho e como o vejo, portanto não se assustem logo de cara, pois o tamanho dos textos serão variáveis !

O que é então a psicoterapia ?

As vezes parece algo meio óbvio né ? muita gente já tem uma ideia feita da coisa, até mesmo da função do psicólogo na clínica, idéias das quais ouço muito dizerem por aí, como por exemplo:

– Ah, psicólogo é pra quem é louco ! Essa é bem clássica. – Psicólogo é aquela pessoa que vai sentar na tua frente e ficar te ouvindo falar tudo que você quiser dizer, sem falar nada. – Terapia serve para você falar dos seus problemas, e aí o terapeuta vai ouvir e te dar a solução para eles. – Psicólogo é aquele que vai me dizer como resolver minha vida.

Sim, todas essas respostas já ouvi por aí, além de várias outras, ou perguntas como: Você faz hipnose ? Ou: Você faz aquele negócio que conseguimos ver nossas vidas passadas, a tal da regressão ? e a lista continua, mas esses exemplos já estão bons por enquanto.

Bom, se fosse para responder simultaneamente essas perguntas, resumidamente eu diria: Não, não, não e não.

Hipnose é aceita pelo nosso Conselho Regional de Psicologia apenas como uma terapia auxiliar, por um profissional que seja capacitado para tal. Nesse processo, ocorre uma indução de pensamentos, visando atenuar ou elimiar certos sintomas. Mas como toda terapia auxiliar, nem sempre ela é a mais indicada em alguns casos, e por isso, para a indução à hipnose, o especialista deve primeiro fazer uma avaliação do paciente para só então definir uma forma de condução. Tanto na hipnose quanto na regressão então,  pode acontecer de o paciente simplesmente ser induzido a criar falsas memórias, as vezes prejudicando mais do que ajudando. Essa não é realmente minha área, mas sei desses fatos. E como ouvi uma vez de um grande mestre que tive quando estagiei numa clínica psiquiátrica: Eu não entendo poque alguém iria querer cuidar de vidas que já passaram, pô, já não basta os problemas pra resolver nessa vida ?

Mas ok, beleza, então como é que funciona essa tal de terapia afinal ?

Para quem está louco ? Diria que não é apenas para quem é “louco”, mas acho que mudando a perspectiva, seria justamente para que a pessoa NÃO fique louca. Aqui seria interessante começarmos também a rever alguns conceitos, dentre eles o da loucura e como ela é bem relativa ou vista de modo bem pejorativo, mas será assunto para futuros posts.

Sentar e ficar de frente para o paciente, apenas ouvindo ao modo mais clichê de filmes e seriados ? Olha, pela minha experiência e de pessoas que trabalho e trabalhei junto, não é bem por aí. Posso dizer da minha prática na abordagem analítica, tanto como terapeuta, como paciente, que a participação do terapeuta é bem ativa. Ouvimos sim, as vezes a maior parte do tempo e conforme o que o paciente trouxer, mas também intervimos e falamos sempre que necessário, até mesmo quando esse “necessário” requer que falemos mais do que o próprio paciente, então não é algo passivo e quase desinteressado como podem pensar por aí, muito pelo contrário.

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O paciente então vai falar de seus problemas e de sua vida, e o terapeuta vai dar a solução para eles. Essa parte sobre o “falar e ouvir” acho muito importante discutir aqui, e é vital para quem está pensando em começar terapia. Veja, nosso trabalho em consultório não se resume apenas a procurar uma possível resolução para algum problema, mas vai desde isso, até a busca por autoconhecimento, coisa que muitos não sabem. E a meu ver, essa busca por autoconhecimento acaba acontecendo nessa “resolução” de problemas, e por si só vale mais do que qualquer coisa que posso tentar expressar aqui, é o maior investimento que alguém pode fazer em si mesmo, e como já me disseram antes, se todos fizessem isso por um tempo que fosse, o mundo seria um lugar muito melhor.. Então eu confirmo isso não apenas por relatos, mas também por experiência própria.

Mas a questão principal nisso tudo é que, por mais que tenhamos estudo, informação teórica e técnica sobre transtornos, distúrbios, patologias e o que mais for, que teoricamente seriam soluções fáceis para os problemas trazidos, o terapeuta naquele encontro com o paciente é apenas mais um ser humano. A pessoa não é analisada, não é objetificada, mas sim, vista como um todo, as teorias e rótulos são deixados de lado. Um problema aparente não é apenas um problema, ele é algo que se externalizou, e que está ligado a várias outras questões, tão delicadas quanto ele, fazendo parte geralmente, de um problema muito maior, então qualquer tentativa de apenas resolver aquele sintoma aparente, seria como varrer a poeira para baixo do tapete. A poeira ainda estaria lá. Nesse momento ressalto algumas palavras de Jung que achei perfeitas para ilustrar melhor isso:

– “Na psicologia, as teorias são o próprio demônio. É verdade que necessitamos de certos pontos de vista devido a seu valor orientador e heurístico; mas eles devem ser levados em conta apenas como conceitos auxiliares que podem ser postos de lado a qualquer momento. Ainda conhecemos tão pouco sobre a psique que seria grotesco achar que estamos suficientemente avançados para formular teorias gerais. A teoria é, sem dúvida, o melhor disfarce para a falta de experiência e ignorância, mas as consequências são deprimentes: intolerância, superficialidade e sectarismo científico.”

Então, sim, o estudo constante é importante e indispensável a qualquer profissional nessa área, não há o que contestar nisso. Mas quando se toca outra vida, deve-se ter em mente de que cada pessoa é diferente de outra e, em sua totalidade, cada um é um mundo, um universo de coisas, ou uma infinidade deles, idéias, sentimentos e também ensinamentos, que devem ser vistos de maneira também única, do modo como são, e isso, teoria alguma, irá ensinar, senão o simples ato de se fazer presente ali e enxergar como realmente é, essa outra existência em sua frente. Agora quero que leiam esse paragrafo novamente, sim, insisto que faça isso agora, e sim, sou chato.

Mas depois de ler, pense em ver alguém dessa maneira não apenas num ambiente terapêutico, mas no seu dia, e perceba como ele vai mudar, não apenas para você, mas para quem recebe o gesto.

E voltando então ao consultório, tento com tudo isso, deixar claro que o objetivo do terapeuta, enquanto ser humano, nunca é de ser aquele que está por cima, com o conhecimento onipotente que resolve vidas alheias através de conselhos, mas sim de estar sempre mostrando pontos de vista diferentes, e através disso apenas, estar buscando com o paciente, possíveis soluções, ou apenas modos diferentes de lidar com determinadas situações. Desse modo cito novamente Jung quanto a esse nível de contato:

– “Quando se tenta estar no mesmo nível que o paciente, não muito acima, nem muito abaixo, quando se tem a atitude correta, a apreciação correta, há então muito menos problemas com a transferência. Você não será totalmente poupado, mas certamente não terá as tais formas ruins de transferência que são mera supercompensação pela falta de conexão.”

Transferência, é um termo que usamos que pode ser interpretado como quando, no processo natural da terapia, acontece uma identificação, com o terapeuta, natural ao processo de psicoterapia que pode ser tanto negativa quanto positiva, como Jung situou acima. Quando estava escrevendo essa parte, me veio um trecho de um livro que estava lendo a um tempo, não de psicologia, mas de outro gênero, de fantasia medieval, a qual inspirou uma série de jogos que além de eu ser muito fã, me acrescentaram muito, chamada The Witcher (traduzido, O Bruxo). Nesse trecho, que uso como paralelo para ilustrar sobre essa igualdade de níveis dito acima, o personagem principal, Geralt, está lutando contra um monstro, que na verdade era uma pessoa normal, afetada por uma maldição. O trecho, narrado magistralmente pelo autor, diz:

– “Geralt, sacudido por um violento tremor, ficou sozinho no centro do salão. Como demorou, pensou, até aquela dança a beira do precipício, aquele louco e macabro balé bélico chegar ao objetivo desejado: permitir-lhe atingir a paridade psíquica com sua oponente; alcançar o mesmo nível de concentração de força de vontade que transbordava na estrige, daquela força de vontade maligna e doentia da qual surgira. O bruxo ficou arrepiado só de lembrar do momento em que absorveu em si aquela carga de maldade, para usá-la como um espelho contra o monstro.”

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Cena da luta citada

Atingir a paridade psíquica com sua oponente, para então usar como um espelho contra o monstro, que no livro, após isso acontecer e ele ter visto Geralt espelhando a mesma energia mental odiosa, correu de medo e se refugiou. O que me chamou a atenção foi a descrição dos eventos dessa luta, onde acho que muitos psicólogos se lessem poderiam se identificar com momentos diversos num atendimento, como por exemplo, quando o paciente nos joga uma demanda pesada, ou quando mostra faces de si que não só mexem conosco, mas que se mostram como momentos delicados e que exigem um tremendo esforço para nos manter nos eixos, e seguir adiante o processo.

Não, o paciente não é um monstro, mas sim, trazem seus monstros e as vezes temos que fazer exatamente esse tipo de esforço para então poder ver através dele e entrar em contato com a pessoa por trás, e isso só é possível, quando nos fazemos tão humanos quanto o paciente. Geralt é um caçador de monstros profissional, mas que muitas vezes, acaba recusando contratos onde se oferecem gordas recompensas para que se mate algum monstro, que as vezes na verdade é uma pessoa sob uma maldição. Do trecho citado acima, digo apenas que ele escolheu não matar a criatura, quando esse era o caminho mais fácil, mas arriscou a vida e conseguiu reverter a maldição, trazendo a pessoa amaldiçoada de volta (não darei spoilers, quem quiser ler esses livros, recomendo fortemente).

E como terapeuta, para terapeutas, deixo essa correlação, afinal, será que estamos ali para matar os monstros de cada um, e com isso talvez acabar também matando uma parte dessa pessoa como um todo, ou simplesmente mostra-los esse tal monstro, o que pode ter causado sua aparição, e trabalhar para que ele seja aceito como parte desse sujeito (dessa pessoa como totalidade)? Devemos pensar a respeito..

Sei também que muita gente também fica curiosa sobre o que afinal de contas é dito e acontece nas sessões, que são sigilosas (ou que deveriam ser também, da parte do paciente) e acabam sendo meio que um segredo. E é isso mesmo, um segredo, que diz respeito apenas a quem faz esse processo acontecer. E também não direi do que se trata, porque não há o que ser dito, senão sobre esse tal de segredo. James Hillman em sua obra “Psicologia Alquímica”, nos traz a seguinte perspectiva:

– “O verdadeiro segredo não age ocultamente, mas apenas usa uma linguagem secreta: ele é prefigurado por uma grande variedade de imagens que apontam a sua essência.”

Parece meio confuso né ? Mas usando isso como metáfora a psicoterapia, temos que o próprio processo terapêutico faz parte desse segredo, pois apenas quem vive esse processo e está envolvido nele, sabe como ele é e o conhece, porque ele é um processo unicamente interno, do próprio paciente, em sua linguagem, do seu jeito, na sua intimidade. Mas como assim então não age ocultamente e usa uma linguagem secreta ? O que é segredo, na verdade não é algo oculto, escondido, mas sim, apenas uma linguagem interna, de um processo interno, ou seja, de cada um, condizente com a essência de cada um, algo realmente íntimo de dentro de nós mesmos, que não apenas não se explica com meras palavras, mas que não deve ser banalizado de tal maneira que se possa sair falando por aí. Todo esse processo é uma grande obra, uma grande construção, em constante e perpétuo aprofundamento e refinamento, assim como a vida de cada um, e deve ter o devido respeito.

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O terapeuta então, junto com essa outra vida que lhe procurou, naquele momento estarão criando algo único, uma relação extremamente profunda, e talvez para o paciente, a mais profunda que ele teve ou terá até então. Com o terapeuta ? Não, mas com ele mesmo, onde cada vez mais se tornará mais íntimo de si mesmo.

E por fim, talvez a questão mais polêmica, os honorários. Essa parte muito terapeuta tem medo de falar, ou de dar um valor a cada sessão, ou sequer falar nisso com o paciente, e não é pra menos, pois a reação do paciente pode ser inesperada. Mas essa questão pode ser menos complicada do que parece. Acredito que o valor aqui deve ser visto de maneira diferente apenas da quantitativa, além dos 60, 70, 80 por sessão ou qualquer que seja o valor. Se o terapeuta ajuda o paciente a resolver algum problema ou questão grave, por exemplo, honorários cobrados por uma hora acabam se tornando barato, perto do que o paciente alcançou no todo. Mas então, se não houve melhora alguma para o paciente, então as sessões de nada valeram, portanto, a terapia não vale um tostão sequer ? Talvez, talvez sim, mas aqui tem dois fatores que devem ser levados em conta antes de qualquer conclusão.

Um deles é que, se o paciente não se entregar de corpo e alma ao seu processo, não há mágica alguma que possa ser feita para que ele alcance algum resultado sequer. Sempre friso para meus pacientes que para que essa obra possa acontecer, ele deve se entregar a ela, pois é exclusivamente dele de quem estaremos falando e trabalhando, e mais ninguém, é o processo dele, então apenas ele é quem pode fazer isso acontecer e dar certo. E como segundo fator, o processo de terapia é imprevisível e até problemático para a lógica limitada de nossa mente consciente que adora ver os problemas de nossa personalidade de maneira simplificada. Isso gera uma grande expectativa de que o processo de crescimento acabe acontecendo quase como um processo mecânico, simples e prático, o que não ocorre dessa maneira. Existe um tempo a ser respeitado, e esse tempo é o tempo de cada um, que varia para cada um e se acelerado, pode apenas acabar desandando tudo.

Enfim, ficou extenso, mas não tem como falar brevemente de algo que é tão envolvente e tão profundo, e ainda acho que fui muito breve! Mas por enquanto fico por aqui, e espero que tenha dado coisas a todos para se pensar.


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